Crítica: Cinderela (1950) | Sophia Mendonça
Transformação e bondade em Cinderela e os símbolos da animação clássica da Disney de 1950 são discutidos por Sophia Mendonça.
Cinderela vai muito além de um conto sobre casamento com o príncipe encantado. É uma história repleta de simbologias. É triste, portanto, que hoje muita gente reduza a narrativa do clássico de 1950, que salvou os estúdios Disney da falência, ao matrimônio. Afinal, Cinderela traz temas como força feminina, dedicação e compaixão que vêm independentemente de qualquer circunstância. Tudo isso se torna ainda mais especial porque a princesa não mudou apenas o próprio destino com o próprio comportamento. Ela também direcionou os caminhos da família, que vinha marcada por tragédias como a perda do pai e da mãe, para um lugar mais produtivo que ela e os descendentes pudessem desfrutar. Então, quando se vê por essa ótica, o casamento vira um mero símbolo para a transformação.
Portanto, o que Cinderela ensina é que, não importa o ódio que a vida traga para nós, só conseguiremos alcançar nossos sonhos e colocar nossa vida em uma órbita de felicidade se reagirmos com compaixão e sabedoria. Para muita gente, a mensagem não é mais adequada aos dilemas sociais. Contudo, o mundo precisa exatamente dos valores que Cinderela retrata, em uma abordagem que surge em um planeta que carece de esperança no contexto pós-guerra.
Cinderela (Ilene Woods/ Simone de Morais) vive com sua madrasta, Lady Tremaine (Eleanor Audley/ Tina Vita), e as duas filhas dela. Obrigada a trabalhar como empregada da casa, ela tem como amigos apenas os animais que a rodeiam. O local em que vive está agitado devido ao baile que será realizado no castelo, o qual contará com a presença do príncipe (William Phipps/ Jorge Goulart). Como Lady Tremaine pretende que uma das filhas se case com ele, elas se preparam com requinte para o evento. Cinderela, entretanto, não pode ir. Até que surge a Fada-madrinha (Verna Felton/ Maria Helena Pader), que dá a Cinderela um vestido e condições para que possa ir ao baile em alto estilo. Entretanto há uma condição: Cinderela precisa retornar antes da meia-noite, caso contrário o feitiço será desfeito.
Há aspectos importantes na história, como o sapatinho de cristal que simboliza a passagem do tempo; o vestido, que materializa a transformação; e os ratinhos, que tomam o lugar das pessoas comuns e o modo como tratamos a quem não nos trará recompensa imediata. Então, aparece a Fada-Madrinha, que personifica as pessoas bondosas que surgem em nossa vida e nos ajudam a sobrepor nossos desafios. Porém, a Fada-Madrinha só pode agir porque Cinderela tem esse cuidado com o outro e desperta nas pessoas o desejo de retribuir. Além disso, a moça sabe aproveitar a oportunidade quando vem. Ela não fica lamentando o tempo todo nem descontando o sofrimento sendo grosseira com alguém. Dessa forma, a carga simbólica de Cinderela aparece na construção da jornada da personagem e se torna mais envolvente graças aos carismáticos coadjuvantes. E mesmo sem ser um musical ao estilo Broadway, o filme apresenta uma trilha sonora comovente e marcante. Além disso, a cena da transformação dos trapos em vestido de baile é belíssima e impressionante.